quinta-feira, 26 de junho de 2008

O amor na contemporaneidade

O amor na contemporaneidade

Reinaldo Pamponet

Nos dias atuais o psicanalista testemunha o declínio da função do Pai e, por conseqüência, o surgimento de novos sintomas, uma crescente diversidade de crenças religiosas, o uso excessivo das drogas e dos medicamentos e um aumento acentuado da insatisfação com as relações amorosas.

Na contemporaneidade, o avanço dos embaraços e dos desencontros entre os parceiros, tem provocado fracassos e estragos de toda ordem na vida amorosa. O sentimento de vazio, de mortificação e a falta de sentido, têm invadido a vida dos amantes e levado os parceiros a se defrontarem com um curioso paradoxo: “sabem o que não quer”, mas “não sabem o que quer”.

O amor é um afeto que está do lado de Eros, do instinto de vida, como Freud denominou. O amor é recíproco, serve a Eros para se servir dele. Para todo ser humano, a demanda de amor é condição necessária para que se produza o efeito subjetivo que chamamos desejo, que por sua vez, é a mola propulsora da vida. O amor é uma pergunta e o desejo é a resposta à pergunta de amor. O amor é uma das “paixões” que gostaríamos de experimentar intensamente e durante o tempo todo.

Quando se está amando, o desejo é verão, o sujeito torna-se vivo, quente e ativo e a vida mais colorida e vibrante. Amar é uma festa da melhor qualidade. O amor torna o mundo lúdico e traz entusiasmo, plenitude e felicidade. É a via por onde transita o segredo, a confiança e a esperança. É o caminho que dá acesso ao mais íntimo e mais secreto de cada parceiro. O amor encoraja e faz cada um tomar a sua verdadeira liberdade, a liberdade de desejar. O amor convida cada um a ousar, intima-se com as palavras a chegar mais perto da sua verdade, conduzindo o sujeito ao desejo de saber e iluminando os momentos de escuridão que o angustia.

Amar é pretender ser amado. Ama-se o que é amável, belo ou ideal no outro. Amar é sempre uma metonímia do belo, do ideal. Contudo, amar é, também, arriscar-se, pois, o esperado nem sempre é o alcançado. O amor não quer saber do real, do imprevisto, da surpresa desagradável, só quer celebrar.

Escutamos e acolhemos no nosso dia-a-dia, tanto por parte das mulheres quanto dos homens, expressões de angústia pela falta de relações amorosas mais estáveis: “só encontro canalha”, dizem às mulheres que buscam uma relação amorosa duradoura; “todas são galinhas”, dizem os homens. As relações amorosas estão cada vez mais descartáveis. Amar, sexualmente, tornou-se equivalente a um lanche rápido, tipo o “fast-food” da primeira esquina – mata a fome do momento, mas não “nutre”. O amor que “alimentaria” o desejo para sustentar uma vida a dois mais longa, harmoniosa, produtiva e segura, cedeu lugar à disputa de poder e à discórdia entre os parceiros que passam a viver a relação como verdadeiros adversários.

No momento atual, seduzidos pelas ofertas do discurso capitalista, vivemos uma verdadeira escravidão da demanda, valorizando mais o ter do que o ser. Assistimos ao avanço da ciência na direção da invenção, da produção e da oferta de “novidades”. Essa oferta convida e estimula o sujeito ao consumo excessivo de objetos novos e sofisticados, para em seguida, tão logo descobre que “o excesso não preenche a falta”, esses objetos serem descartados ou substituídos e, em seguida, numa espécie de “fome” para encontrar o objeto ideal e satisfatório que preencha o seu vazio existencial, repetir, voltar a consumir. Contudo, em última instância, esses objetos atendem à demanda, em detrimento da satisfação do desejo. Vivemos num momento do “vale enquanto útil”, quer dizer, o utilitarismo, o apego ao ter, passou à frente do laço afetivo verdadeiro. Na atualidade, os pequenos detalhes subjetivos que despertam e vivificam o desejo, já nos parece fora de moda.

Todos nós temos a nossa “condição erógena”, isto é, a nossa condição de amar e desejar sexualmente o nosso parceiro (a). É uma espécie de “bem íntimo e singular”, resumido pelo poeta Caetano Veloso, nesse belo verso: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

Na dimensão amorosa, Freud descobriu, essencialmente, duas correntes do amor: a corrente terna e a corrente erógena. Quando estamos na corrente terna do amor (amor à mãe, ao pai, ao filho, etc.) o sujeito amante faz do amado, outro sujeito, ou seja, se estabelece uma relação de sujeito a sujeito, uma relação de reciprocidade e de igualdade, o que torna a relação duradoura, uma vez que, cada um suporta melhor as diferenças e os “defeitos” do outro:

Sujeito (amante) Sujeito (amado)

Porém, na dimensão do amor erótico, quando se ama sexualmente, o sujeito-amante transforma o sujeito-amado em objeto. Assim, estabelece-se uma relação de não-reciprocidade, de dissimetria. O sujeito-amado sente-se rebaixado à condição de objeto de desejo do outro. Nessa condição, não haveria uma “relação”, mas apenas um “encontro”. Quer dizer, o impasse amoroso entre os parceiros, reside no fato de que no nível do sexual, não há “relação”, mas tão somente, “encontro”. Ocorre que ocorre queque o nça m da encontro erótico (não é regra geral) parece sempre pré-datado, ou seja, tem o dia de acabar. Aqui o início anuncia o fim.

Sujeito (amante) Objeto (amado)

Na relação com o amor e o desejo sexual, o homem e a mulher são muito diferentes. A mulher, aquela que consideramos feminina, tem a sua condição de amar bastante diferente do homem. A mulher feminina para alcançar a sua realização sexual, precisa de que o homem fale com ela, de preferência fale amorosa e poeticamente, para que ela o ame, porque ela precisa amar para desejar e desejar para alcançar a sua satisfação sexual plena. Então, a mulher (não é regra geral) necessita desse caminho que vai das palavras ao amor, do amor ao desejo e do desejo ao gozo.

Falar Para Amar Amar Para Desejar Desejar Para Gozar

Falar, para a mulher, é ser amável, por isso as mulheres não gostam, dispensam ou trocam o parceiro-juiz pelo parceiro-inteligente que sabe dizer o que ela quer ouvir. Uma voz determinada ou um olhar de aprovação por parte de um homem, desperta sempre admiração e desejo na mulher. Ela gosta mais do homem inteligente e bem articulado do que do erudito, prolixo e dono da verdade. Também, dispensa ouvir e obedecer ao juiz, preferindo ouvir o poeta ou o mestre.

Quando o homem não fala para a sua mulher, ela fala mal dele. A palavra tanto pode fazer a mulher sentir-se notada, valorizada e desejada quanto excluída e derrotada.

Muitas mulheres (não é regra geral) para desejar, precisam, antes, sentirem-se desejadas e únicas. Portanto, na relação com o amor, a diferença da mulher para o homem, é algo muito sensível, porque o homem não precisa da fala para amar, nem de desejar para gozar.

O insucesso do homem é com o amor. O homem só ama o que deseja. Assim, existe uma verdadeira dissimetria, uma não-correspondência na relação amorosa entre o homem e a mulher.

O impasse na relação amorosa é essa falta de reciprocidade, essa desigualdade da reciprocidade, isto é, o esperado jamais corresponde ao obtido.

O amor é um afeto habitado por um não-saber, é um "senti-mente", um sentimento que mente. Quando se ama, busca-se no outro uma espécie de complemento daquilo que lhe falta e se supõe que o outro tem. Mas, o que o sujeito não sabe, é que “o que lhe falta não é o que o outro tem, mas o que também falta a cada um”. Por isso, para Jacques Lacan, “amar é dar o que não se tem”.

Para concluir, diria que amar é se arriscar. Mas não podemos prescindir do amor, não devemos adiar o tempo para amar, não renunciemos ao amor. Enfim, amemo-nos...


Reinaldo Pamponet é psicanalista-membro

da Escola Brasileira de Psicanálise e membro

da Associação Mundial de Psicanálise (Paris)

Tels: 71 3351-2852 / 71 3351-1633 / 71 9144-6951

Fax: 71 3245-6028

E-mail: rpamponet em terra dot com dot br

Salvador-Bahia-Brasil

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